quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Mise-èn-scène: O "eu" que atua

Para minha surpresa, há alguns dias voltei a ler literatura de teatro.
Não peças teatrais, mas textos sobre a criação de personagens,
subjetividade do ator, narratividade, entre outras questões.

Eu não sei explicar como se deu essa retomada de leituras mas acredito que talvez, até mesmo inconscientemente, isso esteja ligado ao cansaço que tem me rendido a tentativa (muitas vezes frustrante) de pensar imagem. Fotografia, Video, whatever.

Assim, acabei me deparando com atalhos que (podem não dar em lugar algum) me levariam a algumas questões relacionadas à auto-representação do ator, construção de personagens, relação com público e busca de novas linguagens dramáticas.

E qual não foi o meu espanto ao perceber que algumas das questões com as quais o Teatro Contemporâneo se defrontava são praticamente as mesmas do Cinema e da Fotografia.
Talvez o meu espanto tenha sido tolo, já que não são só as artes visuais que estão em "crise existencial", mas toda a arte contemporânea. É que se torna um pouco complicado "falar de arte" quando você está há um tempo tão fechada em algumas "modalidades" dela.

Esse texto não é um texto que busca só respostas. Por enquanto, estou precisando de muitasnovas perguntas. É por isso que vim aqui: quero dividir as coisas soltas que me dão frios na barriga.


"O teatro, então, é apenas uma objetivação de nossos próprios debates."

A frase acima é de autoria do francês Pierre-Aimé Touchard , crítico de teatro que foi um dos principais estudiosos da corrente dramática Teatro do Absurdo.
Via no drama a possibilidade de perceber a natureza humana e de transformá-la através do desenvolvimento de uma consciência "mais lúcida" e acreditava que o absurdo, por levar aos limites a percepção humana, seria uma boa ferramenta.

Em seu livro "O teatro e a angústia dos homens", escrito em 1968, Touchard trata da angústia moderna e das suas manifestações na dramaturgia de seu tempo. Um dos trechos do livro me chamou a atenção:

"As teorias do absurdo se desenvolveram ao mesmo tempo que cada um descobria a incomunicabilidade dos seres. Cada indivíduo gritava sua solidão diante de uma sociedade impotente e um céu em trevas (...) Sem dúvida, nunca antes, no curso da história, o teatro cumpriu com mais evidência a sua missão de revelador da angústia do homem."

Se Touchard falava do desenvolvimento de uma corrente teatral de décadas atrás, bem poderia estar falando da fotografia contemporânea e da relação entre a angústia, os fotógrafos e o que se está fotografando hoje.Todos os dias vejo incontáveis imagens "gritando sua solidão diante de uma sociedade impotente e um céu em trevas".

Me questiono quais são os nossos "próprios debates" hoje
que se materializam nessa infinidade de imagens que parecem só falar de quem as fez. E quem as fez, muitas vezes, transforma sua própria vida cotidiana em objeto artístico.

Porque alguém encenaria o próprio cotidiano, o próprio desespero?
"Para fotografá-lo!" sempre é uma boa resposta para essa pergunta. Na verdade, fotografar tem se tornado uma boa desculpa para qualquer coisa na hipermodernidade,onde qualquer pessoa tem uma câmera e todo mundo supostamente sabe fotografar. Mas a pergunta "porque fotografar?" geralmente fica sem resposta.

Teatro e fotografia não são primos tão distantes.

O quanto tem da angústia do ator em cada personagem que ele representa? O quanto tem da angústia do fotografo naquilo que ele escolhe mostrar? E quando é a si mesmo, as suas próprias angústias que o ator que mostrar? E se muitos já fotografam sua própria dor, o que isso quer dizer?

Eu não acredito que tudo isso seja só um surto de narcisismo extremo, mas também não possuo as respostas para as minhas próprias perguntas. Mas há algo nisso tudo que me intriga mais:

se o contemporâneo para a arte for apenas uma categoria temporal, porque o que Touchard escreveu há mais de 4 décadas atrás ainda se aplica tão bem a certos fenômenos artísticos hoje?

mais um tiro no escuro.

Eu também estou tentando me encontrar. Também estou descobrindo a minha incomunicabilidade. Também estou gritando minha solidão diante de uma sociedade impotente.
E atuo quando fotografo e sou fotografada.

Fechem as cortinas





obs: foto tirada da galeria do grupo Destroy Yrself no flickR.