

Desde a posse do presidente Nicolas Sarkozy, em maio de 2007, mais 45 mil imigrantes ilegais foram expulsos do país. A situação é uma bomba relógio prestes a explodir. E e não seria a primeira vez.

É nesse contexto que o coletivo de arte Kourtrajmé se torna renomado: ao registrar em videos o conflito entre a polícia e os jovens de seu bairro, Clichy Montfermeil, o coletivo ficou conhecido em vários países. Fundado em 1995, hoje conta com 135 membros (diretores, atores, músicos, cantores, bailarinos, fotógrafos e artistas gráficos) e já ampliou suas atividades para a Africa.
Duas realidades diferentes (ou nem tanto)
Em 2009, ano da França no Brasil, alguns membros do coletivo vieram conhecer nosso país e algumas de suas periferias através do projeto Intercâmbio França Brasil de Culturas Urbanas. Depois de passar por São Paulo e Recife, chegaram a Fortaleza no dia 8 de agosto e é assim que se dá nosso encontro.
Durante sua estadia em Fortaleza,o Intercâmbio repercutiu na mídia local de forma precária e quase tímida.
Não pude acompanhar de perto toda a programação, tanto por falta de tempo quanto por este ter acontecido em vários bairros da cidade simuntaneamente. Mas tive a sorte de participar no último dia do seminário As várias vozes da cidade – conflitos e intersecções, que contou com a presença de Mehdi Bigaderne, membro do Kourtrajmé; do Sérgio Franco, sociólogo e curador do seminário; e do Leonardo Sá, antropólogo e coordenador do Mapeamento da Juventude em Fortaleza.
Após a exibição de alguns vídeos do coletivo, rolou uma conversa entre os seminaristas e o público que, contando com os organizadores, não chegava a vinte pessoas. Falamos sobre arte urbana, vida na periferia, política e mobilização social lá e cá.
E entre várias experiências compartilhadas eu decidi falar aqui de uma delas (e espero, sinceramente que essa escolha justifique toda a introdução sobre a situação dos imigrantes franceses): Como a fotografia vem sendo usada como forma de resistência, reafirmação de identidades e intervenção urbana em Paris e em Fortaleza?
Hoje vou falar da experiência francesa, e mais na frente da experiência cearense e de como as duas se encontraram.
Paris e as "caras feias" em 28 millimètres - Retratos de uma geração

Usando uma lente 28mm, JR fotografou jovens e crianças que moram nos ghettos parisienses, mais especificamente de Montfermeil e de bairros próximos. Os retratos de expressões hostis ou de 'caretas' foram impressos em grandes folhas de papeis e colados em vários muros de Paris.

Os retratos daqueles jovens não falavam

Mehdi Bigaderne, um dos membros do Kurtrajmé e subprefeito de Montfermeil é um exemplo de como a questão da identidade étnica é um fator primordial de mobilização social e politica na França. Filho de imigrantes, Mehdi foi eleito por essa nova geração num país onde o voto não é obrigatório e que não existem partidos. Diferente do Brasil, fazer parte do Estado na França é uma forma de legitimação, já que o próprio Estado não é fruto do colonialismo como é o nosso caso.

Ao ser questionado sobre a importância da arte na luta pela igualdade social, Mehdi falou da importância da distribuição de politicas públicas culturais entre franceses e filhos de imigrantes de forma igualitária, mesmo que os jovens da periferia se identifiquem mais com 'sua própria cultura'. "Mesmo que os jovens não gostem de Teatro, é necessário que exista a possibilidade", disse.
Quanto a afirmação de Mehdi de que os jovens se identificam com sua própria cultura, não entendi bem o que ele quis dizer com 'própria'. Certamente não é a cultura secular francesa, mas também não acredito que seja uma cultura ancestral, trazida pelos seus pais e avós dos seus países de origem. Not at all. O Rap, o hip-hop e o grafitti deve ter sido a cultura escolhida por essa geração que nem é completamente imigrante, nem se sente completamente francesa, mas que talvez se identifiquem com uma cultura de um outro continente, fortemente relacionada ao negros americanos.
Mas esse tiro no escuro é todo meu.
(Continua...)
Mais: Video sobre o projeto 28 millimètres:
¹Hoje em dia, de acordo com o Groupe d’étude et de lutte contre les discriminations(GELD) cerca de 5,2 milhões de postos de trabalho são reservados aos nacionais franceses em três áreas do Governo (Estado, Território e Hospitais).