domingo, 15 de novembro de 2009

O espetáculo da intimidade

Há um tempo venho pensando sobre a publicização da vida privada e a fotografia mais uma vez foi o meu ponto de partida para algumas reflexões. Por não saber direito o que seria a tal intimidade, aquietei os macaquinhos no sotão e esperei um pouco para ver as coisas com mais clareza. A clareza não chegou e decidi soltar os macaquinhos.

Cada vez mais dispositivos são criados (ou ao menos utilizados) para a veiculação do "Eu". Qualquer um já pode dizer em 140 caracteres o que está sentindo. Em mais ou menos 1000 caracteres já se pode resolver a questão que perturbava os nossos ancestrais há muitos séculos: "Quem é você?" Com exceção das sextapes que caem na rede contra a vontade de alguém, cada um diz o que quer e mostra o que quer no ciberespaço. É ali que o indivíduo decide quem quer ser, como quer ser visto e, nesse caso, tudo o possível.

O que mais me intriga é o fato de algo ter sido guardado a sete chaves por séculos e que agora esteja tão cercado de fetiches ao ponto de ser simulado, encenado, estetizado. A intimidade teria se tornado só mais uma peça da Société du Spectacle? Os afetos, a sexualidade, o corpo teriam realmente encontrado o seu espaço na esfera pública ou ainda estão minados por tabus maquiados com photoshop?


Se a intimidade mostrada dia após dia nos flickrs e facebooks da vida é só mais uma encenação, o que é as pessoas ainda guardam a sete chaves? Qual é o segredo que não é revelado nem no mais anônimo dos postscreets?




Nan Goldin
















Carolina Stieler




Cia de Foto,

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Mise-èn-scène: O "eu" que atua

Para minha surpresa, há alguns dias voltei a ler literatura de teatro.
Não peças teatrais, mas textos sobre a criação de personagens,
subjetividade do ator, narratividade, entre outras questões.

Eu não sei explicar como se deu essa retomada de leituras mas acredito que talvez, até mesmo inconscientemente, isso esteja ligado ao cansaço que tem me rendido a tentativa (muitas vezes frustrante) de pensar imagem. Fotografia, Video, whatever.

Assim, acabei me deparando com atalhos que (podem não dar em lugar algum) me levariam a algumas questões relacionadas à auto-representação do ator, construção de personagens, relação com público e busca de novas linguagens dramáticas.

E qual não foi o meu espanto ao perceber que algumas das questões com as quais o Teatro Contemporâneo se defrontava são praticamente as mesmas do Cinema e da Fotografia.
Talvez o meu espanto tenha sido tolo, já que não são só as artes visuais que estão em "crise existencial", mas toda a arte contemporânea. É que se torna um pouco complicado "falar de arte" quando você está há um tempo tão fechada em algumas "modalidades" dela.

Esse texto não é um texto que busca só respostas. Por enquanto, estou precisando de muitasnovas perguntas. É por isso que vim aqui: quero dividir as coisas soltas que me dão frios na barriga.


"O teatro, então, é apenas uma objetivação de nossos próprios debates."

A frase acima é de autoria do francês Pierre-Aimé Touchard , crítico de teatro que foi um dos principais estudiosos da corrente dramática Teatro do Absurdo.
Via no drama a possibilidade de perceber a natureza humana e de transformá-la através do desenvolvimento de uma consciência "mais lúcida" e acreditava que o absurdo, por levar aos limites a percepção humana, seria uma boa ferramenta.

Em seu livro "O teatro e a angústia dos homens", escrito em 1968, Touchard trata da angústia moderna e das suas manifestações na dramaturgia de seu tempo. Um dos trechos do livro me chamou a atenção:

"As teorias do absurdo se desenvolveram ao mesmo tempo que cada um descobria a incomunicabilidade dos seres. Cada indivíduo gritava sua solidão diante de uma sociedade impotente e um céu em trevas (...) Sem dúvida, nunca antes, no curso da história, o teatro cumpriu com mais evidência a sua missão de revelador da angústia do homem."

Se Touchard falava do desenvolvimento de uma corrente teatral de décadas atrás, bem poderia estar falando da fotografia contemporânea e da relação entre a angústia, os fotógrafos e o que se está fotografando hoje.Todos os dias vejo incontáveis imagens "gritando sua solidão diante de uma sociedade impotente e um céu em trevas".

Me questiono quais são os nossos "próprios debates" hoje
que se materializam nessa infinidade de imagens que parecem só falar de quem as fez. E quem as fez, muitas vezes, transforma sua própria vida cotidiana em objeto artístico.

Porque alguém encenaria o próprio cotidiano, o próprio desespero?
"Para fotografá-lo!" sempre é uma boa resposta para essa pergunta. Na verdade, fotografar tem se tornado uma boa desculpa para qualquer coisa na hipermodernidade,onde qualquer pessoa tem uma câmera e todo mundo supostamente sabe fotografar. Mas a pergunta "porque fotografar?" geralmente fica sem resposta.

Teatro e fotografia não são primos tão distantes.

O quanto tem da angústia do ator em cada personagem que ele representa? O quanto tem da angústia do fotografo naquilo que ele escolhe mostrar? E quando é a si mesmo, as suas próprias angústias que o ator que mostrar? E se muitos já fotografam sua própria dor, o que isso quer dizer?

Eu não acredito que tudo isso seja só um surto de narcisismo extremo, mas também não possuo as respostas para as minhas próprias perguntas. Mas há algo nisso tudo que me intriga mais:

se o contemporâneo para a arte for apenas uma categoria temporal, porque o que Touchard escreveu há mais de 4 décadas atrás ainda se aplica tão bem a certos fenômenos artísticos hoje?

mais um tiro no escuro.

Eu também estou tentando me encontrar. Também estou descobrindo a minha incomunicabilidade. Também estou gritando minha solidão diante de uma sociedade impotente.
E atuo quando fotografo e sou fotografada.

Fechem as cortinas





obs: foto tirada da galeria do grupo Destroy Yrself no flickR.

sábado, 15 de agosto de 2009

Nóis na foto I: A experiência francesa

Eu não sei qual a imagem que as outras pessoas têm da França mas eu, durante muito tempo, alimentei em mim a imagem de um país onde tudo é luxo e refinamento, um país totalmente diferente do meu. Um dia você cresce e se dá conta de que o Brasil não é o único país que tem problemas. A verdade é que, se tratando de "primeiro mundo" os conflitos raramente são exportados.

A França, assim como muitos outros países europeus, tem uma grande população de imigrantes, que aumentou consideravelmente após a II Guerra e cada dia cresce mais, apesar dos esforços do Governo Francês para para controlar as imigrações. Em 2001 cerca de 5,6% da população francesa era de imigrantes originários de países mulçumanos do Norte de África, ex-colonias francesas, como a Argélia, Tunísia, Marrocos e mais recentemente, a Turquia.

A maioria dessa população vive em bairros afastados e, diferente do Brasil, é raro o contraste entre luxo e periferia num mesmo espaço. É comum faltar eletricidade, hospitais e áreas de lazer nesses bairros. O governo francês paga uma espécie de seguro-desemprego (O chômage) aos imigrantes, mas essa política assistencialista (que também é uma forma de garantir os empregos da classe media branca)¹, não tem sido suficiente para livrar o Governo das constantes acusações de xenofobia. Junto a isso ainda é preciso lidas com problemas como conflitos étnicos e imigração ilegal - esta última é responsável por uma das maiores polêmicas no atual Governo francês .

Desde a posse do presidente Nicolas Sarkozy, em maio de 2007, mais 45 mil imigrantes ilegais foram expulsos do país. A situação é uma bomba relógio prestes a explodir. E e não seria a primeira vez.

Em outubro de 2005 centenas de ataques violentos eclodiram em mais de 300 localiades francesas após a morte de dois adolescentes em Clichy Montfermeil que fugiam da polícia. Milhares de manifestantes protestaram contra a violência e perseguição de imigrantes nas periferias incendiando carros e depedrando prédios. Os atentados tomaram proporções nacionais e pararam a França por mais de duas semanas.

É nesse contexto que o coletivo de arte Kourtrajmé se torna renomado: ao registrar em videos o conflito entre a polícia e os jovens de seu bairro, Clichy Montfermeil, o coletivo ficou conhecido em vários países. Fundado em 1995, hoje conta com 135 membros (diretores, atores, músicos, cantores, bailarinos, fotógrafos e artistas gráficos) e já ampliou suas atividades para a Africa.


Duas realidades diferentes (ou nem tanto)

Em 2009, ano da França no Brasil, alguns membros do coletivo vieram conhecer nosso país e algumas de suas periferias através do projeto Intercâmbio França Brasil de Culturas Urbanas. Depois de passar por São Paulo e Recife, chegaram a Fortaleza no dia 8 de agosto e é assim que se dá nosso encontro.

Durante sua estadia em Fortaleza,o Intercâmbio repercutiu na mídia local de forma precária e quase tímida. Mas, a despeito da falta de patrocínio e apoio político que por vezes foi mais lembrado pelos jornais que o próprio evento, este se mostrou uma boa oportunidade para que duas culturas diferentes se encontrassem e descobrissem que não são tão diferentes assim.

Não pude acompanhar de perto toda a programação, tanto por falta de tempo quanto por este ter acontecido em vários bairros da cidade simuntaneamente. Mas tive a sorte de participar no último dia do seminário As várias vozes da cidade – conflitos e intersecções, que contou com a presença de Mehdi Bigaderne, membro do Kourtrajmé; do Sérgio Franco, sociólogo e curador do seminário; e do Leonardo Sá, antropólogo e coordenador do Mapeamento da Juventude em Fortaleza.

Após a exibição de alguns vídeos do coletivo, rolou uma conversa entre os seminaristas e o público que, contando com os organizadores, não chegava a vinte pessoas. Falamos sobre arte urbana, vida na periferia, política e mobilização social lá e cá.

E entre várias experiências compartilhadas eu decidi falar aqui de uma delas (e espero, sinceramente que essa escolha justifique toda a introdução sobre a situação dos imigrantes franceses): Como a fotografia vem sendo usada como forma de resistência, reafirmação de identidades e intervenção urbana em Paris e em Fortaleza?
Hoje vou falar da experiência francesa, e mais na frente da experiência cearense e de como as duas se encontraram.


Paris e as "caras feias" em 28 millimètres - Retratos de uma geração

Dentre as atividades do coletivo Kourtrtajmé que vim a conhecer no seminário, uma em particular me chamou a atenção: o projeto 28 millimètres - Portrait d'une génération coordenado pelo fotografo e ativista JR e com a colaboração de Ladj Ly, ator e diretor que faz parte do coletivo.

Usando uma lente 28mm, JR fotografou jovens e crianças que moram nos ghettos parisienses, mais especificamente de Montfermeil e de bairros próximos. Os retratos de expressões hostis ou de 'caretas' foram impressos em grandes folhas de papeis e colados em vários muros de Paris.

As colagens, que duraram menos de 24h (devido a politica de 'higiene urbana' parisiense que não permite modificações nos espaços urbanos) mostravam os rostos de uma geração que nasceu na França mas é filha de imigrantes e que por esse motivo muitas vezes é tratada como estrangeira na própria casa. Um bom exemplo disso foi mostrado em um dos vídeos exibidos, onde um francês discute com os jovens manifestantes, dizendo que eles têm que aprender a respeitar a França, há que um deles responde: "O que é a França se não os franceses? Você é mais francês do que eu, por um acaso?"

Os retratos daqueles jovens não falavam sobre como eles viam a si mesmos, mas como eles acreditavam que eram vistos pelos outros. No caso, os outros são os 'brancos e franceses há gerações'. Ocupar os muros de bairros de Paris onde esse 'outro' mora, circula e consome é como se dissessem "Oi, nós estamos aqui também e já que você não quer perceber isso vamos ocupar seus muros até que deixemos de ser invisíveis".

Mehdi Bigaderne, um dos membros do Kurtrajmé e subprefeito de Montfermeil é um exemplo de como a questão da identidade étnica é um fator primordial de mobilização social e politica na França. Filho de imigrantes, Mehdi foi eleito por essa nova geração num país onde o voto não é obrigatório e que não existem partidos. Diferente do Brasil, fazer parte do Estado na França é uma forma de legitimação, já que o próprio Estado não é fruto do colonialismo como é o nosso caso.

No seminário, Mehdi falou que durante o período que esteve no Brasil pôde perceber que as nossas diferenças sociais são fundamentalmente financeiras enquanto na França as diferenças sociais são antes de tudo de tudo uma diferença de origem e etnia.

Ao ser questionado sobre a importância da arte na luta pela igualdade social, Mehdi falou da importância da distribuição de politicas públicas culturais entre franceses e filhos de imigrantes de forma igualitária, mesmo que os jovens da periferia se identifiquem mais com 'sua própria cultura'. "Mesmo que os jovens não gostem de Teatro, é necessário que exista a possibilidade", disse.

Quanto a afirmação de Mehdi de que os jovens se identificam com sua própria cultura, não entendi bem o que ele quis dizer com 'própria'. Certamente não é a cultura secular francesa, mas também não acredito que seja uma cultura ancestral, trazida pelos seus pais e avós dos seus países de origem. Not at all. O Rap, o hip-hop e o grafitti deve ter sido a cultura escolhida por essa geração que nem é completamente imigrante, nem se sente completamente francesa, mas que talvez se identifiquem com uma cultura de um outro continente, fortemente relacionada ao negros americanos.

Mas esse tiro no escuro é todo meu.


(Continua...)


Mais: Video sobre o projeto 28 millimètres:


¹Hoje em dia, de acordo com o
Groupe d’étude et de lutte contre les discriminations(GELD) cerca de 5,2 milhões de postos de trabalho são reservados aos nacionais franceses em três áreas do Governo (Estado, Território e Hospitais).

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Boas idas e vindas

Perdida num mar de ideias que não levam a lugar algum se eu não remar, decidi criar mais um blog para dar vazão aos impulsos incontroláveis de falar sobre alguma coisa, de dividir com os outros todas as coisas que ficariam na gaveta.

Não é um blog específico: ele atira para todos os lados! Cinema, música, absurdos cotidianos, moda, ovnis, politica e tudo o mais que me permitir a minha santa ignorância.

E, claro: Este espaço também está aberto a qualquer um de vocês. No que você quer descarregar todas as suas balas?
As minhas, não se preocupem, são de festim.


Ilustração: Liza corbett